quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Hoje é o primeiro dia!

Começa-se sempre por algum lado...
Não há voltas suficientes que nos impeçam continuar.
Uma palavra, um sorriso, um afago,
uma imagem, um brinquedo, um cheiro.
A velocidade do pensamento não se deixa acompanhar,
quando decidimos começar,
mas este foge com medo que se esgote e encontre o vazio,
um precipício
e se acabe tudo.
Há algum tempo deixei de o tentar apanhar,
hoje limito-me a ouvi-lo, senti-lo, interiorizá-lo.
Decidi, então, torná-lo meu amigo,
falar-lhe com calma e com muito tempo,
tanto quanto aquele que ele achar necessário
para deixar de me fugir.
Não foi um percurso fácil,
mas estou empenhada e
convicta de que vai resultar.
Por isso,
hoje é o primeiro dia.
O pensamento anuiu e baixou a guarda.
Hoje permitiu-me apanhá-lo!

As velas ardem até ao fim

Podes alcançar tudo na vida,
podes vencer tudo à tua volta e no mundo,
a vida pode oferecer-te tudo e podes tirar tudo da vida, mas nunca podes mudar os gostos, as inclinações, o ritmo de vida duma pessoa,
aquela diferença que caracteriza por completo uma pessoa,
a pessoa que é importante para ti,
que te interessa.

Sandór Marai

Gosto muito...

A noite passada

A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
 e então olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste.

A noite passada fui passear ao mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto, abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo, dormias lá no fundo
faltou-me o pé, senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu as águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos.

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti, disse baixinho "olá"
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"

Sérgio Godinho

Poema à mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou
 o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:

Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.

Guardo a tua voz dentro de mim.

E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade

Esquadros

Eu ando pelo mundo prestando atenção
em cores que eu não sei o nome
cores de almodôvar
cores de frida khalo, cores
passeio pelo escuro
eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
eu como uma segunda pele, um calo, uma casca,
uma cápsula protectora
que quero chegar antes
pra sinalizar o estar de cada coisa
filtrar seus graus
eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
e vendo doer a fome nos meninos que têm fome

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo esquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo
e os automóveis correm para quê?
as crianças correm para onde?
transito entre dois lados de um lado
eu gosto de opostos
exponho o meu modo, me mostro
eu canto para quem?

pela janela do quarto
pela janela do carro...

eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
minha alegria, meu cansaço?
meu amor cadê você?
não tem ninguém ao lado

pela janela do quarto
pela janela do carro...

Adriana Calcanhoto

XVII

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou seta de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Amo-te como a planta que não floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.

Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te directamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,

a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos se fecham com o meu sono.

Pablo Neruda

Para o meu marido...

Rosa

Hoje o céu está mais azul,
Eu sinto
Fecho os olhos, mesmo
assim
Eu sinto
O meu corpo estremecer
Não consigo adormecer

Ah, nem o tempo vai chegar
P'ra dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor

Hoje o céu está mais azul
Eu sinto
Olho à volta mesmo assim
Eu sinto
Que este amor vai acabar
E a saudade vai voltar

Ah, nem assim o tempo vai chegar
P'ra dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor

Já não sei o que esperar
Dessa vida fugidia
Não sei como explicar
Mas é mesmo assim o amor


Rosa Passos
Música de Rodrigo Leão

Ode ao amor... é assim que vou começar o meu blogue!